É inegável que os procedimentos adesivos revolucionaram a odontologia, uma vez que permitiram que os preparos cavitários deixassem de ser retentivos passando a ser aderidos aos tecidos, o que implicou em menor desgaste do remanescente dental.
No entanto, vale ressaltar que substratos diferentes, esmalte e dentina, necessitam de protocolos de preparo distintos. A atenção ao tipo de substrato e ao sistema adesivo a ser indicado é importante para que se obtenha sucesso com a estratégia adesiva escolhida.
O esmalte possui aproximadamente 97% de conteúdo inorgânico, representado por cristais de fosfato de cálcio sob a forma de hidroxiapatita, com quantidades de carbonato, sódio, magnésio, cloreto, potássio e flúor no meio e cerca de 1% de material orgânico de natureza basicamente proteica, com escassos carboidratos e lipídios, e por 2% de água1,2.
O preparo do esmalte para adesão é feito por meio do condicionamento com ácido fosfórico entre 30 e 40%3 por um tempo de 15 a 60 segundos4-7. Este procedimento transforma uma superfície lisa e polida em irregular, aumentando a energia da superfície o que favorece molhamento do adesivo uma vez que diminui o ângulo de contato do adesivo com o esmalte (Figura 1). Como o ácido remove a camada superficial de esmalte em torno de 10 micrometros e cria uma camada de porosidades de 5 a 50 micrometros, a aplicação do adesivo permite que ele escoe e, por capilaridade, preencha esses microporos sendo, então, polimerizado, o que forma os prolongamentos adesivos (tags) que resultam em uma união micromecânica8-11.
Como relatado anteriormente, o esmalte apresenta pouca quantidade de água, o que favorece a penetração do adesivo que é hidrofóbico e dispensa a aplicação de um primer. Sendo assim, em se tratando de adesão em esmalte é indicada apenas a aplicação o condicionamento ácido fosfórico seguida da lavagem e da secagem e da aplicação do adesivo hidrofóbico, ou seja, isolado em um frasco sem o primer.
Estudo clínicos e laboratoriais demonstram que a adesão ao esmalte é eficiente e duradoura e a presença de esmalte nas margens favorece a longevidade. Por este motivo, deve-se buscar a preservação de esmalte. Uma dica para que se evitem as margens pigmentadas de restaurações é o condicionamento com ácido e a aplicação do adesivo além das margens da restauração a fim de que se evitem margens não condicionadas, o que favorece à pigmentação marginal.
No caso da dentina, o desafio é maior, uma vez que este substrato apresenta diferente conteúdo inorgânico e maior quantidade de matéria orgânica, de umidade e se relaciona intimamente com a polpa, o que torna complexa a obtenção de excelentes resultados adesivos.
A dentina é um tecido mineralizado e avascular que possui prolongamentos dos odontoblastos que se situam dentro dos túbulos. Possui cerca de 70% do seu peso de conteúdo mineral, na forma de hidroxiapatita carbonatada, sendo os 18% restantes de material orgânico e, aproximadamente, 12% água12. A matriz orgânica é rica em colágeno, principalmente do tipo I e proteínas não colagênicas (Figura 2).
Sua estrutura é tubular, repleto de fluido dentinário sob pressão pulpar constante e com prolongamentos odontoblásticos em seu interior. Os túbulos dentinários são distribuídos de forma radial, seguindo uma curvatura em S, a partir da polpa até a JAD, e as fibrilas de colágeno interfibrilar estão orientadas perpendicularmente aos túbulos dentinários12. O diâmetro dos túbulos varia de 0,8 e 3,0 µm entre a JAD e a região próxima à polpa, respectivamente.
O número de túbulos dentinários é, dessa forma, maior por área na região de pré-dentina, próxima à câmara pulpar, e menor por área, na junção amelodentinária.
Estima-se aproximadamente 15.000/mm2 túbulos na dentina periférica (próxima à JAD), 25.000/mm2 na região central e 55.000/mm2 próximo à polpa13. Isso ocorre devido à distribuição radial dos túbulos, fazendo que exista essa maior concentração tubular próxima à polpa. Não se trata de maior quantidade absoluta de túbulos dentinários. Portanto, quanto mais profunda a dentina, maior a quantidade de túbulos dentinários por área e o seu diâmetro, o que significa que a dentina profunda é mais permeável e mais umida e isso repercute diretamente sobre nossos procedimentos adesivos dificultando-os e também sobre os tratamentos para a manutenção da vitalidade pulpar14. Na verdade, diversos fatores alteram este procedimento, como a composição da dentina, idade do paciente, exposição ao ambiente da cavidade bucal, presença de lesão cariosa e não cariosa15, espessura da dentina residual nesta cavidade (profundidade).
Durante o preparo cavitário, é formada uma camada de detritos orgânicos e inorgânicos chamada lama dentinária (ou smear layer) que apresenta baixa resistência de união à dentina, em torno de 5 Mpa.
Essa camada oblitera os túbulos, o que reduz a permeabilidade em cerca de 86%. No preparo da dentina para adesão podem ser usadas diferentes estratégias adesivas, sendo elas o condicionamento total ou autocondicionante.
A remoção completa da lama dentinária pelo ácido e a consequente desmineralização da superfície da dentina, expondo uma fina teia de fibras colágenas para ser infiltrada por monômeros hidrofílicos é designada de técnica condicione e lave (etch-and-rinse) (Figura 3). Sendo assim, na estratégia condicione e lave, a adesão à dentina conta principalmente com a penetração de monômeros adesivos na rede de fibrilas colágenas expostas pelo condicionamento ácido após remoção da hidroxiapatita16,17
A dentina pode ser desmineralizada até uma profundidade de cerca de 5 μm16, dependendo do tipo de ácido, da concentração e da duração da aplicação. O tempo de condicionamento ácido em dentina indicado é de 15 segundos pois há evidências18 que resulta em dissolução do mineral dos cristais envolvendo as fibras de colágeno, sem danificar a ultraestrutura do colágeno.
O condicionamento ácido da dentina diminui a energia de superfície motivo pelo qual é necessária a utilização de um primer hidrofílico previamente à aplicação do adesivo para favorecer a sua infiltração.
O primer é uma solução de baixo peso molecular com uma extremidade hidrófila que tem afinidade pela dentina desmineralizada e outra hidrófoba capaz de copolimerizar com adesivo e solventes orgânicos.
Sua aplicação deve ser feita de forma ativa (esfregando) para que os solventes desloquem a água da superfície da dentina e do interior da rede de fibrilas colágenas e possam carrear os monômeros hidrófilos pela dentina, aumentando a energia de superfície11. O adesivo hidrófobo deve ser aplicado em seguida para ocupar as irregularidades e microporosidades em esmalte e infiltrar por capilaridade na dentina condicionada, formando, assim, o que chamamos camada híbrida.
Nos casos da estratégia condicione e lave de 2 passos em que há uma solução de primer/adesivo em frasco único, é indicada a aplicação ativa (esfregando) por 15 a 20 segundos, seguida de nova aplicação da mesma solução, como se a primeira camada atuasse como primer e a segunda como adesivo, antes da polimerização.
“Em adesivos cujo solvente é acetona é indicada a aplicação de mais camadas.
A estratégia autocondicionante (self-etch) modifica a lama dentinária, incorporando-a à camada adesiva. Neste caso não é aplicado ácido fosfórico na dentina, mas sim um primer ácido que faz uma interação menos agressiva com a dentina e permite a preservação da hidroxiapatita interfibrilar e as ligações químicas que lá acontecem.”
“Essa estratégia é menos sensível ao operador uma vez que elimina o passo de controle da umidade pós-condicionamento.
A aplicação desse primer ácido também deve ser feita ativamente por 20 segundos, seguida da aplicação do adesivo e fotoativação. Em estudos clínicos é possível observar um aumento do manchamento marginal do esmalte conferido ao fato de não se obter um condicionamento em esmalte tão efetivo com o primer ácido. Por essa razão, é recomendável o condicionamento ácido seletivo em esmalte (apenas em esmalte) por 15 a 30 segundos (Quadro 1 – Figura 4).”
Dentre as opções de sistemas adesivos disponíveis temos os sistemas de:
Obs.: Os sistemas adesivos Universais podem ser usados na estratégia condicione e lave de 2 passos ou na autocondicionante de passo único. Estudos sugerem que a técnica de condicionamento ácido seletivo em esmalte para estes sistemas é a ideal19,20.
Após o condicionamento com ácido fosfórico é indicada a lavagem preferencialmente com spray ar/água para melhor remoção dos debris após condicionamento, tanto do tecido quanto dos componentes do gel.” Em seguida o esmalte pode ser seco com jato de ar, mas deve-se manter uma leve umidade na dentina a fim de evitar o colabamento da trama de fibrilas colágenas expostas pela desmineralização superficial da dentina. O nível de umidade a ser preservado na dentina depende do tipo de solvente que o sistema adesivo apresenta em sua composição.
Referências: